4/09/2006

Desassossego

Para transmitir ao leitor a ideia da súbita melancolia que por vezes o assola, Bernardo Soares escreve que precisa de recorrer às saudades da infância como metáfora para que os leitores entendam a sua sensação.

Então escreve um texto sobre a infância perdida e encontra aí um elo universal com todos os leitores porque, todos os leitores, em princípio, suspirarão por uma infância perdida e ao ler o texto irão compreender esse sentimento. Supõe-se que só a alguns desassossegados calha serem acometidos de melancolias pessoanas súbitas e inexplicáceis, como achaques e arrepios de almas asmáticas ou epiléticas.

No entanto, Bernardo Soares é ele próprio uma personagem, e o que acaba por ser transmitido ao leitor é a ideia de que somos acometidos de súbitas melancolias que não conseguimos exprimir ou explicar aos outros.

E mesmo assim, isso é universal. É por isso, talvez, que o Livro do Desassossego não deixa ninguém indiferente, pois apela ao universal criando a sensação de que somos os únicos desassossegados, gerando em nós uma empatia genuína por aquele Bernardo Soares que não tem amigos nenhuns a não ser o leitor, naquele momento.

Os melhores escritores, para mim, são pois aqueles que me inspiram simpatia, uma genuína vontade de os conhecer. Não creio que haja muito de racional nisso e ainda bem.