4/13/2006

A mestria de Tchékhov contista

Tchékhov atingiu a perfeição, se isso é possível, nos últimos contos que escreveu. Teria ele encontrado a forma natural de contar por escrito? Em A Minha Vida – história contada por um provinciano descreve a revolta de um jovem fidalgo, órfão de mãe, que vive numa cidade da província russa com um pai conservador e tirano e uma irmã submissa e oprimida que apoia o pai e substitui a falecida mãe no governo da casa: imagem da reprodução do papel subalterno da mulher. A revolta do herói consiste em repudiar os sucessivos trabalhos «limpos» e burocráticos próprios da sua condição nobre e ir para trolha – suprema vergonha social. O rapaz sai de casa e vai viver para a da antiga ama-seca. Entretanto, a irmã vai dando indícios de que a revolta também germina nela. Nesta fase do conto, os termos de Tchékhov são contidos e simples, a voz é baixa e calma, o verbo é banal. As personagens nunca empreendem ou executam, fazem; não proferem, exclamam ou gritam, dizem, mas mesmo assim vamos detectando a revolta surda da irmã (a arte da alusão, em que tem mais importância a cor de um lenço, o pormenor banal de um quarto ou de uma paisagem do que uma tirada filosófica ou um diálogo profundo). Um dia ela vai visitar o irmão e a sua revolta explode. Tchékhov di-lo a gritar? Não. Gasta vinte páginas como faria um talentoso contista ou romancista? Não. Fá-la executar um gesto que nunca se esperaria dela, limita-se a pô-la a atirar um molho de chaves contra a porta do quarto do irmão, e depois, em seis linhas, diz tudo. Mas «as palavras são de fogo», como disse Tolstói, que aspirava a imitá-lo. Assim:

Atirou com as chaves contra a porta, foram parar ao meu quarto com estardalhaço. Eram as chaves do aparador, do armário, da cozinha, da cave e da caixa do chá – as mesmas chaves que, dantes, a minha mãe trazia sempre consigo.
Antes de voltar para casa, a minha irmã entrou no meu quarto para apanhar as chaves e disse:
– Desculpa. Ultimamente passa-se qualquer coisa estranha comigo.