4/24/2006

aeroportos (ou a incontornável genética)

«Quando eu era pequenino estive sempre fascinado por máquinas. Em certas noites de pesca, com o meu avô, os navios na doca do “Jardim do Tabaco” encantavam-me com o seu balançar misterioso. As cordas de cânhamo, grossas como troncos esticavam em sobressaltos num jogo de força que os navios travavam com a maré e os meus olhos de puto fixavam-se ora na linha do safio que entrava no negrume das águas ora na enorme massa do barco que me engolia os horizontes. Aquele monstro estava vivo pois as vigias de luz amarela deixavam-me ver tubagens e máquinas e de vez em quando um marujo. Havia sempre um ruído surdo de motor que dava vida ao navio e que me levava a imaginar viagens longínquas. Mais ou menos na mesma época não havia manhã de Domingo que o meu pai não me levasse à estação do Rossio. Estava fascinado pelas locomotivas e lembro-me mesmo de um maquinista que já me conhecia e me dizia sempre adeus lá das alturas do seu monstro. Aí o grande desafio era esperar a saída de um combóio e aguentar firme a nuvem de vapor da locomotiva quando esta arrancava.
Só mais tarde vieram os aviões, mas entretanto já se segredava na família que “havia de ser um engenheiro”...
Um dia o meu pai chegou a casa todo contente. Morávamos num andar na rua Sabino de Sousa, perto Alto de S.João. Tinha conseguido. Íamos ter uma casa de renda limitada num bairro novo. O bairro de Alvalade. Assim um Domingo levou-me a ver a casa em construção. Aquilo era campo e agradou-me logo. Salvo erro só haviam duas carreiras de autocarros, o 17 e o 21. Lá fomos ver as fundações da casa e a seguir o meu pai entusiasmou-se e levou-me por ali fora direito à avenida Rio de Janeiro, ao Pote de Água, à Rotunda do relógio e ao Aeroporto. Tinha 6 anos e apanhei uma gripe terrível e todos censuraram o meu pai por me arrastar por aquele deserto quente numa tarde de Domingo.
Esse, o da imagem antiga, foi o Aeroporto que eu vi e onde voltei muitas vezes mais tarde, pé ou de autocarro, só pelo prazer de ver os DC9 (3?), os Constellation e o s Dakota. Os aviões sugeriram-me sempre aquela libertação que eu teria se tivesse asas, e qual é o puto que não sonha voar.
Agora duvido que faça sonhar um único miúdo»

Vitor Bray (Eng.), e-mail a 24 de Abril - 2006, Torres Vedras