4/18/2006

Método para escrever romances

Métodos para escrever romances não faltam, desde o Snowflake Method de um obscuro prize wining author ao mais modesto How To Write Novels, Poetry, &Other Literature, são muitas as diferentes opções mas no geral, e porque os sites são de origem americana, assentam todos numa filosofia próxima do argumento ou cinema (também ele americano).
Os métodos consistem quase sempre em fazer uma abordagem de cima para baixo. Resume-se o livro numa frase. Depois num parágrafo. Depois gasta-se uma página para desenvolver ideias. E depois, escreve-se, essencialmente, a acção, por cenas e pedaços bem delineados, podendo até, segundo uns métodos, recorrer-se a uma espécie de story board.

São sempre humildes, estes métodos, porque dizem que "é só mais um método, cada pessoa tem o seu, o meu é este" e alguns até se desculpam. Não sei se são bons porque todos, depois da parte da desculpa, acabam por pedir dinheiro para podermos ler os capítulos finais. Por isso não sei.
O problema que pude detectar entra na parte do "o meu método é este".
'O meu', de quem?

Normalmente, os escritores de livros de métodos são romancistas falhados. Existem argumentistas de cinema e televisão que, por terem uma actividade muitíssimo mais condicionada e profissional, podem efectivamente conjugar palestras ou fórmulas com criação. Temos um belo exemplo no Adaptation, de Spike Jonze, um filme recomendado para qualquer escritor ou argumentista (ou pessoa que goste de filmes)
De facto, um argumentista escreve muitas vezes por encomenda e trabalho de equipa.

Duvido que haja professores de cursos de escrita criativa capazes de ensinar alguém a escrever romances. Mas eles lixam-nos porque dizem sempre, logo à partida, que não é isso que vendem, nunca prometem resultados.
A criatividade de que se fala nesses cursos é uma criatividade inconsequente, mais próxima dos domínios da publicidade ou do programa de televisão, sem desprimor para estas actividades, mas que se resume a "ter ideias" que nunca chegam a ser exploradas ao limite e ao detalhe. Não digo, de modo nenhum, que esses cursos não tenham utilidade para, pelo menos, ensinar os alunos a ler.

Há muito de actor no escritor de romances de personagens, pois ele tem de incorporar as suas próprias personagens mentalmente, e ser capaz de as recriar com uma voz e vontade próprias, como se estivesse possuído. No meu humilde entender, Dostoiévski foi, e é, o mais perfeito nesta arte porque consegue sublimar personagens mutuamente exclusivas. Isto não faz dele o melhor de toda a literatura (por acaso acho que é mas isso não vem agora para o caso) mas simplesmente o melhor deste tipo de literatura de romance bem estruturado, com personagens e história. Parece simples mas não é. O Lobo Antunes, por exemplo, que é um grande escritor, a julgar pelos livros que li dele, tem apenas uma única personagem, com nomes diferentes. Há génios, como o Becket, que subvertem estas regras. Mas tentemos não pensar muito nos génios, ó irmãos mortais.

Posso afirmar sem medo que só aos muito bons, para não dizer geniais, é possível escrever sem método e disciplina. De resto, qualquer pessoa, mesmo, tem capacidade para escrever um romance, desde que tenha método e paciência. Pode não sair um bom livro, mas sai qualquer coisa. E isso, com diria La Palisse, já é qualquer coisa.

De artistas sem obra, está a blogosfera cheia.


*Um repto ao Filipe Guerra: E o Dostioévksi? Tinha método?