4/28/2006

Morreu o Alain

Não é uma figura pública, não é nosso familiar, nem sequer é português. Tinha 73 anos, era francês, anónimo como um pássaro. Era bom homem, e só por isso deve espalhar-se o mais longe possível a tristeza pela sua morte. Contava longas histórias, chatas (e tantas as vezes as mesmas), e mesmo assim toda a gente que o conhecesse procurava a sua companhia. Das primeiras vezes que o vi, foi como se já o conhecesse havia muito, como se tivesse sido seu companheiro de caserna na guerra da Argélia. Do que mais gostava era partilhar com os outros um bom vinho que tivesse descoberto. Assistiu ao doutoramento de um rapaz seu amigo como se assistisse ao do filho («Régulation de l'épissage alternatif chez les mammifères: exemple de l'ARN pré-messager de l'acétylcholinestérase dans la physiologie musculaire»), horas ali sentado, sem perceber uma palavra, como se assistisse a uma final emocionante de futebol. Tinha o horror de uma velhice dependente. Teve sorte: morreu de repente, rodeado de amigos, no meio de uma história divertida. Por estes dias, Deus é francês, já o recebeu, já disse: Salut, Alain.