4/26/2006

O Segredo do Bosque Velho – Dino Buzzati (8/10)

Depois de ler o magnífico Deserto dos Tártaros (10/10), precipitei-me para este “Segredo do Bosque Velho”, de dimensões tipicamente buzzatianas (livros pequenos e concentrados) e com mais uma capa e edição fantásticas, outra obra de arte da Cavalo de Ferro, com uma excelente tradução de Margarida Periquito.

A ler Dino Buzzati tem-se uma sensação de vertigem de um abismo onírico e fantástico que não controlamos. A palavra chave é “sonho”.

Em Buzzati, as personagens agem contra a própria vontade das mesmas ou do leitor. Se no ‘deserto dos tártaros’, Geovanni Drogo não abandona a fortaleza, o Bosque Velho está repleto de situações por vezes absurdas e por isso misteriosas, em que as personagens raramente escolhem o caminho certo, ou acabam por surpreender com actos de extrema bravura ou nobreza de carácter, mas sempre com um fortíssimo cunho aleatório e temperamental.

Logo depois do início, em que se apresenta de forma realista o Coronel Procolo (coronel que acaba de se reformar e herda uma propriedade na qual existe um antigo e mítico bosque velho), aparece um diálogo com uma pega pousada no galho de uma árvore. Estamos sempre à espera que Procolo acorde do “sonho” ou questione a veracidade de tal alucinação, mas não, dali em diante, o absurdo e o fantástico são assumidos, desde ventos que falam a génios que habitam em árvores, a bichos que contam histórias, nada é apresentado como “inesperado” ou mais peculiar do que a simples realidade do “mundo exterior”.

O próprio tom do narrador é jovial e despreocupado, pontuando a narrativa com ‘notas do autor’ em rodapé de efeitos extraordinariamente cómicos, como precisar factos aparentemente inúteis como horas do dia a que a acção se desenrola ou que os gritos das lagartas não podem ser audíveis nem pelos ouvidos mais sensíveis.

Apesar deste estilo causar um efeito desconcertante, também perde um pouco em força porque se dispersa, algo inusitado em Buzzati. Sentimos que ele não leva suficientemente a sério a ilusão que tão habilmente constrói, e aqui estará nas antípodas de um Dostoiévksi que consegue fazer precisamente o contrário: assume a ilusão, discorrendo sobre “personagens” ou “situações” fictícias, mas levando essa ilusão como se fosse a coisa mais séria e importante do mundo para o leitor, naquele momento (de facto, é).

Também, como um todo, O Segredo do Bosque velho assenta a narrativa em episódios algo desconexos, ou pelo menos, com quebras de “ritmo” e elipses inusitadas, algo que não acontece no perfeito Deserto dos Tártaros.

Mas no global, é um belíssimo livro que, em leitores que não tenham ainda perdido um bocadinho daquela infância feita de animais que falam e bosques mágicos, tem um efeito poético fortíssimo. Para além disso, é um livro para todas as idades.

Vejo que Il Crollo de La Baliverna será editado no primeiro semestre de 2007 pela Cavalo de Ferro, e ainda bem. Já li, há mais de 15 anos, a tradução francesa deste bicho, e é um livro de contos de cortar a respiração. Tenho na minha memória impressões claríssimas de alguns dos contos deste livro como as mais marcantes experiências de leitura que tive, ombreando com Edgar Allan Poe, Maupassant ou Auguste de Villiers de L'Isle-Adam