5/03/2006

Peter Handke ou: o teatro, um favorito da censura

Abro aqui uma coluna sobre teatro, uma arte muito esquecida também na blogosfera. Infelizmente, dada a actualidade e a gravidade de uma notícia que li hoje nos jornais franceses, este primeiro post fala de França e não de Portugal.
O administrador geral da Comédie Française, Marcel Bozonnet, retirou da programação já decidida para uma das três salas (Vieux-Colombier) a peça de PETER HANDKE Viagem do País Sonoro ou a Arte da Questão, para «não dar visibilidade pública» (assim se chama agora à censura do politicamente correcto em França), retrospectivamente, a um acto político de Handke: este assistiu ao funeral de Milosevic e discursou, exprimindo as suas simpatias pró-sérvias, conhecidas desde há muito, decidindo o tal Bozonnet, superiormente, que isso seria um «ultraje às vítimas». Trata-se de duas coisas: castigo de um «delito de opinião», e ir a reboque do politicamente correcto, a que os franceses também chamam bien-penseance, que Bozonnet sabe estar do seu lado. Na verdade, há uma unanimidade de pensamento da imprensa francesa sobre este assunto, a ponto de muitos livreiros já terem retirado dos seus escaparates toda a obra de Handke (em França, meu Deus!).
O crime de Handke que motiva este boicote e censura tem sido o facto de este ter denunciado a demonização constante dos sérvios e as bombas que foram lançadas pela NATO sobre a ex-Jugoslávia. No funeral de Milosevic, nem sequer se referiu ao homem, mas ao Sérvio.
O que despoletou a acção da bien-penseance francesa foi um artigo do Nouvel Observateur, a reboque do qual se precipitaram quase todos os médias franceses. Entretanto, o escândalo internacionaliza-se, já circula uma petição de protesto e indignação contra este acto de censura que tem como principal impulsionadora Elfriede Jelinek (prémio Nobel da literatura em 2004), já assinada por grandes nomes como Emir Kusturica, Paul Nizon, Michael Hanecke, Anne Weber, etc.
Peter Handke, no fundo, é o menos prejudicado: o seu nome e a sua obra já se impuseram e vão perdurar, com ou sem censura, ao passo que o nome do administrador geral Bozonnet não passará desta triste e fugaz notoriedade. Os grandes prejudicados são os franceses, que entretanto não dormem. Tenho estado a seguir um debate vivíssimo sobre a censura no blog République des Livres que já vai em cento e muitos comentários em poucas horas. Aconselho-o a quem ler em francês.